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Xadrez Jurídico | ABORTO: a autonomia da vítima nos casos de estupro

Por: Emanuele Martins de Quadros
18/09/2020 10:26
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Em 2016, um estudo realizado apontou que uma a cada cinco brasileiras já realizou um aborto, sendo que só no ano de 2015 foram observados cerca de meio milhão de procedimentos, de forma clandestina. Em razão da precariedade como é realizado, o aborto não só mata muitas mulheres, como também eleva os gastos do Estado com as internações decorrentes de procedimentos realizados sem o devido acompanhamento.

Recentemente, o caso de uma criança de dez anos de idade que engravidou após ter sido abusada sexualmente pelo tio, foi assunto de grande debate. A criança foi internada com dores abdominais e descobriu a gravidez. Um dos profissionais que a atendeu relata que “ela apertava contra o peito um urso de pelúcia e só de tocar no assunto da gestação entrava em profundo sofrimento, gritava, chorava e negava a todo instante, apenas reafirmando não querer”.

Atendendo a um pedido do Ministério Público, foi dada a ordem judicial para interromper a gravidez da criança, diante de expressa previsão legal para tanto - Aborto no caso de gravidez resultante de estupro (art. 128, inciso II, do Código Penal).

O caso foi amplamente divulgado e ganhou grande repercussão, mas ao invés de vermos a indignação em relação ao ato praticado pelo abusador, assistimos com perplexidade inúmeras manifestações, comentários e julgamentos contrários à interrupção da gravidez da criança, vítima de abuso sexual, praticado pelo tio, desde os seus seis anos de idade. Uma agente administrativa do Pronto Socorro, que representa o perfil dos manifestantes, postou em uma rede social: “em 4 anos ela gostou, porque se calou, tanto a inocentinha que tanto vocês fala [sic], quanto a família dela, porque só vieram abri [sic] a boca quando ela engravidou.

Logo após a toda esta repercussão, curiosamente, foi publicada no Diário Oficial da União a Portaria nº 2.282 do Ministério da Saúde, que criou obstáculos à realização do aborto, mesmo nos casos já permitidos por lei. A portaria estabelece a realização de um procedimento de “justificação e autorização da interrupção da gravidez”, no qual a mulher, vítima, deve fazer uma descrição pormenorizada das circunstâncias da violência a que foi submetida, além de ter que assinar um termo de responsabilidade que lhe informará sobre as penas dos crimes de falsidade ideológica e de aborto (artigos 299 e 124, ambos do Código Penal).

O que se observa é que o contexto de edição da referida portaria, após manifestações extremamente conservadoras, criou ainda mais entraves burocráticos à realização do procedimento, transferindo para a vítima, de forma transversa, uma responsabilidade que resulta em uma (re)vitimização.

Vivemos em um Estado laico, que teoricamente deveria promover a separação entre Estado e religião. Todavia, o que se observa na prática está bem longe da realidade, como é o caso da portaria em questão, que aparentemente é um incentivo para que mulheres desistam do aborto, mesmo nas hipóteses em que a lei expressamente o autoriza, apenas para satisfação de uma pauta moralista/religiosa.

Embora o tema aborto seja muito polêmico, interferir no direito de uma mulher (neste caso criança) exposta a ato de violência dirigido contra o seu corpo é absurdo, uma afronta aos direitos humanos e uma total discriminação a mulheres que são obrigadas a recorrer a um aborto totalmente inseguro.

A portaria em debate já é alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade e de uma ação de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal.


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